Perdoar-se por não conseguir perdoar

Não me venha com desculpas.

Você fez, agora já era.

Você tinha plena consciência do que fez.

Todas essas frases já foram ditas por alguém de coração endurecido pelas pedradas do que chamam de vida – que, se fosse realmente a vida, não dava pedradas.

Até que ponto se é vítima de uma ação?

Quem somos nós para perdoar o outro?

Existe algum pedestal no qual podemos subir para ser o senhor ou senhora dos perdões?

É engraçada a forma como nos tratamos como receptores de todas as mazelas que o outro, nosso suposto inimigo, direciona para nós. É curioso o modo como nos machucamos quando estamos deprimidos, e machucamos os outros quando estamos eufóricos. Parece que a balança não está equilibrada. Continue lendo “Perdoar-se por não conseguir perdoar”

Uma caminhada, três aprendizados

Saí em caminhada com meu pai e minha irmã. Ultimamente ando desperto e encaro tudo como uma comunicação entre mim e algo maior – seja externo (Deus, mentores ou o universo) ou interno (minha essência, meu ego ou meu universo interno) – e, por isso, colhi três aprendizados nessa saída de casa.

Enquanto minha irmã se abria sobre problemas e agrados do trabalho, meu pai dizia coisas como é, minha filha, as coisas são assim. Eu, que costumo ser muito comunicativo entre as pessoas com as quais convivo, estava calado. Se eu fosse abrir a boca, seria para dizer lições sobre um pássaro que pousava ou uma sacola que voava, então decidi manter tudo para mim. Até que vi uma cena um tanto rara em meio à cidade – ainda mais em frente a um shopping. Continue lendo “Uma caminhada, três aprendizados”

A distorção do significado do amor

 

Quando criança, eu odiava filmes de romance. Achava tudo aquilo um nojinho e dizia que nunca iria me casar – ou namorar. Pois bem, ainda hoje eu não gosto de filmes de romance romântico, mas agora eu entendo porque tanta gente ama. A questão é que acreditam que casais são sinônimo de um peculiar sentimento chamado amor. Eu não compactuo com essa ideia, nem nunca compactuei.

Depois, quando o meu corpo se alongou mais um pouco, ouvi muitas histórias de “amor” sob os olhos de gente desesperançosa. Era o amor não presta pra cá, o amor é sofrimento pra lá, e eu nunca entendia. Afinal, essas pessoas que repetiam frases prontas sobre o amor realmente haviam conhecido ele? Eu achava que não. Continue lendo “A distorção do significado do amor”

O aqui e agora

Uma coisa me fez acordar para o aqui e o agora. Na verdade, essa coisa não foi um objeto, muito menos uma pessoa. Foi um momento. Como em um súbito discernimento, eu notei que estava segurando um papel e sentava em um banco. Aquilo me parecia bastante estranho. O plano material existia e eu podia tocá-lo. Sentindo isso, percebi que raramente eu ESTAVA nos lugares. Eu só fazia corpo presente.

A sensação é estranha: você está em algum lugar à céu aberto e de repente uma brisa estapeia a sua face. Você a sente e percebe que está vivo, que sentiu algo no seu corpo. Da mesma forma acontece quando você se senta em uma cadeira. Algo encosta no seu corpo e você sente isso. Sente. Sensação. Sensibilidade. Sentido.

Foi sentindo, foi utilizando os sentidos do corpo, que eu percebi, enfim, que tinha um corpo. Antes disso eu só pensava, habitava outro plano. O espiritual talvez, o intelectual, quem sabe. Mas foi pensando, foi transcendendo que eu percebi que era necessário um corpo para racionalizar os sentidos.

Por isso, tendo acordado para o plano material, digo a quem estiver lendo isso: se você vive no plano físico, sentindo a realidade estapeando o seu rosto diariamente e tendo a consciência de que está presente no mundo tocável, tente transcender, pensando e sentindo – no sentido sentimental. Já para os que vivem no plano espiritual ou intelectual, como eu, tente sentar, colocar os pés descalços no chão e ouvir o barulho do ambiente, ver a parede na sua frente e cheirar os odores do ar. Assim, você desligará um pouco o pensamento e perceberá que existe AQUI E AGORA e foi para isso que o plano espiritual-intelectual habitou o plano físico. Para pôr em prática os questionamentos e viagens confusas da mente. PARA FAZER.

Sentimentos sem nomes

As coisas sem nome são mágicas. Quando as coisas que hoje têm nome não eram nomeadas também eram mais mágicas. O significado não precisa do nome, mas o nome precisa de um significado, e é nessa significação que tudo fica insignificante.

Veja só o afeto. Afeto quer dizer afeição, amizade, empatia, essas coisas. O afeto, antes de receber esse nome, era mais sincero. Não era explicado, era praticado. Não havia desambiguações, nem antônimos. Só sinônimos. O afeto, quando era só o abraço, o carinho, o ato de colocar-se no lugar do outro, a compreensão, era mais sincero. Tinha aquele mistério, tinha aquela busca em saber como se chama isso, o que significa isso. Quando nomearam, quando colocaram o nome desse sentimento de afeto, surgiram tantos homônimos e antônimos que tornaram o afeto desafetuoso.

O amor é o sentimento que mais sofreu com os nomes. Antes de se chamar assim, englobava em seu campo de significados tudo o que era bom. Tinha o respeito, a  generosidade, a paciência, e o afeto, inclusive. Quando o campo de nomes veio em cima desse sentimento, todos os antônimos e homônimos vieram. O ódio virou tendência e a obsessão, justificativa para a confusão.

Quando os sentimentos não tinham nomes, seu sentido era mais visível. Para desmistificar o que não tinha nome era necessário agir, pôr em prática todos os significados. Quanto ao amor, era só respeito, gratidão, entendimento. Para expressá-lo era até mais fácil, bastava sentir, pois o sentimento é feito para ser sentido, não entendido. Por isso, quando nomeamos as coisas, acabamos criando também todos os antônimos, gerando medo. Ah, outra palavra que surgiu depois das nomeações, o medo. Antes, a coragem reinava absoluta, enquanto esse medo vivia escondido. Isso quer dizer que, quando nomeamos a coragem, um de seus antônimos, o medo, veio junto, trazendo consigo o medo de sentir.

Talvez o problema seja esse. Quando nomeamos os sentimentos, descobrimos que os seus opostos negativos existiam, e eles nos consumiram.

Tocando as feridas

Quando se toca as feridas, a mágoa é certeira. Mas os magoados não veem que a própria ferida veio de uma mágoa. Então tocar as feridas nos ajuda a curá-las.

Quando alguém é machucado pela lâmina verbal do outro, é levado imediatamente para a emergência. Um curativo abafa a mágoa e esquece-se momentaneamente que se foi ferido. Com o tempo, a dor passa e o curativo é jogado fora. Mas, para a surpresa do machucado, uma cicatriz marca a pele, marcando na memória a história por trás daquela mágoa. Por pouco tempo. Emerge junto o esquecimento.

Se eu fosse um médico, eu espremeria essa ferida. Bateria, remexia até ficar vermelha, jogava sal dentro, a subjugaria. Eu sei que pode parecer cruel, mas não é. Nenhuma dor em cima dela se compararia à mágoa original, muito menos um curativo ajudaria a sarar. Simplesmente, o curativo é uma medida emergencial. Emerge junto a cegueira.

Tocar as feridas ajuda a não cometer o mesmo erro novamente. Quando uma cicatriz é coberta pela roupa, nem a dor nem os olhos fazem com que o ferido se lembre da mágoa, fazendo-o voltar sempre ao portador da lâmina que a causou dor. Quando se enfia o dedo na ferida, quando se fala na ferida, causa dor, sim, mas evita que o corpo e a alma sejam mutilados mais de uma vez.

Por isso, quando se é machucado, o melhor a se fazer é falar, olhar e tocar a ferida, para relembrar aquela mágoa, aquela lâmina, e nunca mais se atrever a voltar a causar a própria ferida.

A cicatriz é consequência de uma ferida. A ferida é consequência de uma mágoa. Deixar uma ferida cicatrizar em vez de curá-la por inteiro é permitir a vitória da mágoa.

Cicatrizes são piores que feridas. Cicatrizes são feridas cristalizadas, sem remorso, sem lembrança, sem dor.

Vomitar palavras

Senti um mal-estar. Uma dor de cabeça me afetou de maneira tão dócil e agressiva que eu não sabia como tirá-la. O meu estômago revirou, e eu soube que aquela dor só me deixaria quando eu a vomitasse. Então foi isso que fiz, vomitei alimentos mal digeridos.

Da mesma forma, outro dia, senti outro mal-estar. Uma dor de cabeça infame que me controlava como uma marionete, me pondo à gritar, xingar e denegrir minha própria imagem no espelho. Percebi que ao gritar e xingar, a dor passava, mas apenas momentaneamente. Isso porque eu vomitava palavras no espelho, então elas voltavam para mim e me sujavam. Continue lendo “Vomitar palavras”

A estrada dos desnorteados

Incerta vez, uma mulher andava sem rumo. Andava assim pela simples razão de estar assim, sem rumo. As pedras furavam seus pés, o vento chicoteava sua face, mas ela continuava caminhando naquela estrada vazia. Mesmo assim, ela via pegadas. Pegadas essas de pessoas que já estiveram ali, na estrada dos desnorteados. Mas aquela mulher não estava apenas sem norte. Ela não tinha um sul, não tinha um lugar de partida. Estava completamente perdida. Continue lendo “A estrada dos desnorteados”

As estrelas desceram

Quando olho para o céu, penso que as estrelas foram embora, ou que um dia elas já estiveram ali. Procuro constelações, procuro brilhos, mas os únicos que encontro são provenientes de luzes de aviões. São poucos os dias que eu percebo estrelas no céu, e quando percebo, são tão contáveis a dedo que nem para nascer verrugas seria suficiente. Continue lendo “As estrelas desceram”

A criança interior e seu interior

Quero ser criança de novo, mas infelizmente a minha criança original, a semente, foi plantada. A sorte é que eu lembrei de cultivar a terra.

A minha criança acredita em fantasmas com a mesma intensidade que sabe da existência de anjos que criam um campo de proteção em torno de mim.

A minha criança acredita na existência de um pé de maracujá em forma de árvore, e adora subir nele. Continue lendo “A criança interior e seu interior”